Bioética e éticas aplicadas: a necessidade de dar resposta ao problema da aplicação

Vamos entrar na era da Bioética. Nos dias de hoje, com a autêntica revolução tecnológica e científica que a humanidade está a assistir surgem, de tempos a tempos, novos problemas aos quais é necessário dar uma resposta prática, sendo que verificamos, de forma cada vez mais notória, que o direito e as éticas tradicionais são, por vezes, insuficientes para dar uma resposta em determinadas situações concretas. Em primeiro lugar, lancemos a seguinte questão: Será que podemos fazer tudo aquilo que a tecnologia e a ciência nos permitem ou será que é preciso estabelecer limites? Se a resposta for que podemos, então a Bioética e as éticas aplicadas não são necessárias, com todas as consequências que daí advém. Se acharmos que é preciso estabelecer limites, então precisamos da Bioética. Mas comecemos pelo princípio.

O termo Bioética foi cunhado durante a década de 70 do século XX por Van Rensselaer Potter, tendo a sua definição sofrido alterações com o decorrer das reflexões acerca do tema. A Bioética trata-se de uma área multidisciplinar que pretende articular o conhecimento de disciplinas, tais como: antropologia, biologia, sociologia, filosofia, psicologia, economia, direito, política, ecologia, etc. Consiste na constatação de que a reflexão ética, não deve ficar pela mera fundamentação filosófica, mas tem também de responder ao problema da aplicação nas situações concretas. Isto é: não se trata exclusivamente de uma teoria, trata-se também da necessidade de proceder a deliberações; deliberações essas que devem conduzir a uma atuação com sabedoria prática na aplicação aos casos particulares. É necessário passar da teoria à prática. As deliberações sobre o modo de proceder nas situações concretas devem ser feitas sempre por comités ou comissões de Bioética constituídas por pessoas de várias áreas disciplinares: para garantir a pluralidade de pontos de vista e porque a deliberação não deve nunca ser feita por uma só pessoa.

Esta criação de comités de Bioética torna-se cada vez mais necessária, principalmente em áreas como a medicina, o ambiente, a política, mas também na economia e nas empresas. As principais razões são a preocupação com as pessoas, com as gerações futuras e com a salvaguarda da liberdade individual e do direito de cada pessoa escolher o melhor caminho para a sua felicidade. A preocupação pelas pessoas expressa-se através de reconhecer a dignidade do outro; a preocupação com as gerações futuras está intimamente ligada à noção de sustentabilidade; e a salvaguarda da liberdade individual com a ideia de que a ética deve garantir as coisas da liberdade que não se conseguem mediante a legislação jurídica (ou seja, ela deve garantir a articulação da lei normativa que é universal com a situação particular em que é necessário agir).

Nos próximos anos a Bioética será fundamental para garantir o bem-estar individual e coletivo das pessoas, assim como a sua liberdade, mas também para antecipar problemas que poderão vir a surgir. Uma das áreas em que é fundamental e que tem estado em destaque no debate público-mediático é no que diz respeito ao meio ambiente e às alterações climáticas. A existência de tecnologia e de mecanismos que maximizam o lucro, mas que agravam os problemas ambientais tem de ser seguramente melhor regulada por parte dos vários estados através de legislação, mas também deve ter uma componente de reflexão ética feita pelos vários agentes (desde os estados às empresas) de modo a garantir um crescimento sustentável.

Uma segunda questão, e que irá surgir em breve no debate político no nosso país, podendo até mesmo ser sujeita a referendo, é a eutanásia. Aqui a filosofia terá um papel fundamental no que toca à definição de conceitos. De facto, o debate sobre a possibilidade de antecipação da morte, em que casos isso será possível, e sobre qual o melhor modo de agir em cada situação que se apresentar será um dos momentos em que a reflexão ética vai ser mais precisa.

Outras questões em que a Bioética terá um papel decisivo serão na definição de quais os limites que devem ser colocados à manipulação genética (Será bom fazer tudo o que a tecnociência nos permite nesse âmbito?), mas também em relação ao uso das novas tecnologias como mecanismo de controlo.

A ideia chave que pretendo deixar é a seguinte: progresso científico-tecnológico e progresso humano não são a mesma coisa, isto porque nem tudo o que é tecnologicamente possível é eticamente aceitável. Foram a ciência e a tecnologia que permitiram a descoberta da penicilina, mas também permitiram a construção da bomba atómica. É a ética que deve deliberar o que humanamente deve ser usado.

Pedro Chaves, Mestrado em Filosofia

Genes, Células, Clones e Gen(ÉTICA)

Darwin e a evolução das espécies. Deus Todo-Poderoso como entidade megalómana. Alma para lá do corpo. ATGC, o código universal como fonte de vida como a conhecemos. Cada um escolhe a crença através da qual rege a sua existência. Independentemente da escolha, ciência e religião, religião e ciência, entre outras questões mundanas de limiar inferior, embatem de frente numa linha de batalha que se chama ética. Esta serve o indulgente, o satírico, o intransigente e até o cético, servindo-se a si mesma de uma dose por medida das duas porções de uma mesma dicotomia.

Atente-se ao assunto da clonagem, primeiro na sua essência mais crua, a clonagem reprodutiva, e depois à clonagem mais “tolerável”, a terapêutica. Pondo de lado dogmas, limitações tecnológicas do nosso tempo (cada vez menos e, mais tarde ou mais cedo, solucionadas) e refletindo à luz de um pragmatismo em incubação, quais são as vantagens para a espécie humana, quer em termos de aplicação quer de custo-benefício? Negar o conceito torna-o menos real ou faz desaparecer as suas sub-formas de coexistência? Vai depender muito de que tipo de clonagem estamos a falar.

A clonagem, sem grandes definições e embelezamentos, designa a obtenção de seres vivos (animais, vegetais ou microrganismos) geneticamente iguais, por meio de um processo de reprodução assexuada. Em decorrência da crença inabalável e irreproduzível da vida humana, a possibilidade de duplicar/copiar um ser vivo encontra, no campo da ética, “razões que a razão conhece” que, logo à partida, são contestáveis. É considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como eticamente inconcebível. A ideologia que sustenta essa posição da OMS deriva do racionalismo individualista de Kant que, na sua interpretação filosófica, concluiu que o homem é um fim em si mesmo, sendo eticamente incongruente considerar o indivíduo enquanto meio para um fim eugenista da espécie humana. Ora, está pois claro que ao comentar sobre clonagem reprodutiva, principalmente na nossa espécie, saberemos instantaneamente que é um campo minado. Perigoso, portanto. Sobretudo se o tema puder ser radicalizado a um extremo que aflora muito longe do nosso “perímetro de segurança”.

Vejamos o caso de Claude Vorilhon, ou Raël, ou o “homem dos clones”, como também é conhecido. Acredita que a clonagem de humanos é a “fonte para a vida eterna”. Diz ter sido raptado por seres extraterrestres em 1973, os quais lhe terão revelado a verdadeira origem da Humanidade: fomos criados em laboratório por estes, os Elohim. Raël é o líder da seita Raeliana, que questiona a teoria da evolução, defendendo a clonagem humana, e que está por trás da Clonaid, uma empresa que em 2002 alegou ter clonado o primeiro ser humano, Eva. Foram solicitadas, tanto pelos tribunais americanos como por vários cientistas, provas dessa clonagem, coisa que nunca veio a ser entregue pela Clonaid, estando longe de se provar tal acontecimento.

A clonagem reprodutiva, feita pela 1ª vez em 1996 com a ovelha Dolly a ser o primeiro mamífero clonado a partir da célula de um animal adulto, despertou o interesse mundial sobre o assunto, tendo incendiado opiniões e incitado a debates sobre implicações éticas, como já sabemos. Para clonar a Dolly, foi transferido material genético do núcleo de uma célula somática de um dador adulto para um óvulo cujo núcleo havia sido removido. Depois de tratamento adequado, passou a comportar-se como um zigoto recém-fertilizado e, posteriormente, foi implantado no útero de uma fêmea hospedeira, onde seguiu o curso normal até ao nascimento. Claro que esta técnica não é exclusiva, há outros meios.

A meu ver, um dos direitos violados com a clonagem reprodutiva humana é o da indiscriminação do próprio Homem, já que, sendo possível criar clones, apenas pessoas com certas características seriam aceites, o que poderia ter efeitos prejudiciais em termos de culturas, raças e biodiversidade. Além disso, se, como espécie sexuada, somos dotados de conceber outro ser único que resulta da individualidade de um óvulo e um espermatozoide, para quê abdicar disso para passarmos a “propagar” ao estilo de um microrganismo do tipo bactéria?

Na era da inteligibilidade contemporânea, a clonagem é ainda envolta numa nuvem de misticismo, muito em parte pela aceção errónea de que clonagem reprodutiva e terapêutica são sinónimos. Esta última, que é também designada por clonagem não-reprodutiva, visa o cultivo de tecidos e órgãos através da reprodução de stem-cells. Oferece, assim, um potencial significativo na medicina regenerativa, contornando a rejeição imunológica, e na cura de desordens genéticas quando usada em conjunto com a terapia génica. No contexto da terapia de substituição celular, possui interesse para a organogénese de novo e para o tratamento permanente de doenças, como Parkinson, distrofia muscular de Duchenne e diabetes mellitus, já demonstrado em estudos in vivo. Os obstáculos que impedem o avanço da clonagem terapêutica prendem-se com a tumorigenicidade, reprogramação epigenética, heteroplasmia mitocondrial, transferência entre espécies de patogénicos, baixa disponibilidade de óvulos. De referir também as considerações éticas relativas à origem, destruição e status moral dos embriões de fertilização in vitro.

A “interrupção” de embriões após obtenção das células estaminais pode frequentemente conduzir o tema a uma encruzilhada de fogo, uma vez que se eleva o argumento do uso egoísta de embriões utilitários. Mas a pergunta fica no ar: os benefícios que daí podem resultar (e que, de facto, resultam), não justificaria a sua utilização nesta nova era da Medicina?

Para um mesmo assunto, há de haver sempre um lado a favor e um contra. Parece-me importante regulamentar muito bem toda esta situação.

Para millenials que, como eu, cresceram a ouvir e a aprender sobre isto e, sobretudo, a encarar isto como o “futuro ao virar da esquina”, o termo clonagem pode não ser senão mais do que uma demonstração da evolução da ciência em todo o seu esplendor. Para os mais temerosos, trata-se de um virar de milénio com direção ao Apocalipse.

Não esquecer que o Homem é muito mais do que o produto dos seus genes, mas sim um ser social, cultural e biologicamente moldado ao longo dos tempos. Por isso, temos de nos concentrar num between que não subjugue os Direitos Humanos, brincando aos Deuses e Semideuses, mas que nos permita caminhar cientificamente para uma Medicina mais evoluída. Eticamente evoluída, remato.

Ana I. Sousa, 2º ano Mestrado Integrado em Medicina

Investigadores na Coreia do Sul apanhados a referenciar jovens como coautores de artigos: Será ético?

De acordo com a notícia divulgada no volume 575 da Nature a 14 de novembro de 2019, foram identificados 82 artigos tendo jovens como coautores, jovens estes que frequentam o ensino básico ou secundário. Os investigadores fizeram isto para melhorar as hipóteses destes jovens de ganhar vagas na universidade.

A questão subjacente a esta situação é “Será esta atitude ética?”. Embora a ética seja um assunto muito pessoal e que pode variar de acordo com a pessoa que responde a esta pergunta; para entender completamente o problema, precisamos compreender a cultura sul-coreana, a motivação dos investigadores e os benefícios da sua atitude para os jovens envolvidos.

A Coreia do Sul é um dos países mais competitivos nas taxas de aceitação das universidades. Apesar de ter centenas de universidades, o acesso às melhores é muito difícil, sendo que a taxa de aceitação para estudantes coreanos pode ser de apenas 1% (e geralmente, esse privilégio é atribuído aos jovens com altas posições sociais), e com apenas cerca de dois terços dos alunos elegíveis a ter acesso ao ensino superior, a competição é ainda mais difícil.

Além das taxas de aceitação nas universidades, a cultura coreana é altamente focada na educação e nas notas escolares, tornando os exames coreanos uns dos mais difíceis do mundo. Reprovar ou mesmo ter nota abaixo de Bom não é uma opção, pois pode envergonhar toda a família (e até levar ao suicídio do jovem).

Tudo isto coloca uma enorme pressão nos estudantes coreanos, obrigando-os a fazer tudo o que podem para garantir que conseguem uma vaga na universidade, e se o jovem pertencer a um estatuto social elevado, a pressão é ainda maior. Os jovens coreanos quase não têm tempo livre, desde aulas a explicações e atividades extracurriculares que podem impulsionar a sua média e currículo, quase não há tempo para respirar fundo e apreciar a vida.

Compreender estas nuances sociais faz-nos olhar para a situação de um ângulo diferente.

Agora entendemos que houve boas intenções dos investigadores que referenciaram os jovens como coautores, uma vez que tudo o que eles estavam a tentar fazer era remover parte da pressão que a sociedade exerce sobre estes jovens desde a sua mais tenra idade; então sendo que estas ações foram feitas sem intenção de prejudicar, e se foram feitas como forma de reconhecimento do trabalho árduo dos jovens e por amor a elas, podemos censurar e culpar estas “pequenas mentiras”?

Na minha opinião, SIM, estas ações podem e devem ser censuradas e punidas. É uma mentira, que apesar das boas intenções, prejudica quem trabalha duro todos os dias para conquistar, por si, a tão almejada vaga numa universidade. É uma mentira que passa a mensagem de que a mentira é permitida e aceitável. É uma mentira que diminui a reputação dos investigadores e da ciência. É uma mentira que dá às pessoas um motivo para desacreditar a ciência e as evidências científicas, porque se um investigador mente sobre quem escreveu o artigo, sobre o que mais estará ele a mentir?

Esta ação, cujo único objetivo era remover parte da pressão sentida pelos jovens, abre um precedente para a falta de confiança nos investigadores e na ciência em geral.

A ciência já é um alvo para pessoas que não querem reconhecer alguns problemas. Pessoas que dedicam as suas vidas a contradizer e desacreditar as evidências científicas que não as favorecem. Desde sempre que os investigadores lutam para que os seus trabalhos sejam aceites por indivíduos que não os entendem e querem esconder ou disfarçar a verdade. Com ações como estas, a única coisa que se consegue é a desconfiança do público, pois são notícias altamente divulgadas e nas quais todos acreditam. Estas são as notícias que são lembradas e usadas como exemplo quando alguém tenta explicar por não se deve confiar na ciência. Notícias como esta são o princípio fundamental para a pergunta já mencionada – sobre o que mais mentem eles? Se eles precisam de mentir em assuntos tão insignificantes como os autores de um artigo, sobre que coisas importantes também mentem?

O problema existe e é muito claro, as crianças sul coreanas sofrem uma pressão que as priva de uma infância, mas esse problema não deve ser resolvido com mentiras. Esse problema precisa de ser abordado por uma mudança social, percebendo que a educação não é o fator mais importante da vida, e fazendo essa mudança de mentalidade, as ações tomadas pelos investigadores não acontecerão novamente.

É óbvio que mudar a mentalidade e a cultura de um país não é fácil ou agradável para as pessoas visadas, mas na minha opinião é necessário para uma infância mais saudável para as crianças e como forma de prevenir este tipo de ações, pois os investigadores representam toda a comunidade científica, e por isso as suas ações envolvem toda a sociedade, portanto as consequências não ficam na Coreia do Sul e não afetam apenas as crianças coreanas, as consequências são expandidas para todas as áreas científicas de todo o mundo. Ações como essa precisam ser pensadas e a comunidade científica deve agir para evitar que elas aconteçam.

Maria João Silva

Manipulação genética: Perigo iminente ou condição necessária?

A genética proporciona-nos ferramentas extremamente importantes no âmbito da investigação de genes, que são a unidade fundamental da hereditariedade e que por sua vez, codificam proteínas imprescindíveis para o desenvolvimento humano. Embora os nossos carateres genotípicos (que se manifestam em carateres fenotípicos) sejam uma combinação do material genético dos nossos progenitores, a manipulação genética abrange um enorme leque de possibilidades que poderá representar a solução para certos problemas na comunidade científica assim como também poderá revelar ser uma ameaça à humanidade como a conhecemos.

A tecnologia do DNA recombinante começou a ser definida em 1970, onde se usaram enzimas de restrição que permitiram cortar o DNA em pontos bem definidos, isolando os fragmentos de interesse do mesmo, seguida da utilização de um vetor (contendo porções de ácido nucleico) para se formarem novas moléculas de DNA modificado. Com esta e outras descobertas relativas a este tema desenvolveram-se várias técnicas de aperfeiçoamento molecular, que consistiram, por exemplo, na produção alimentos geneticamente modificados (como a soja ou o milho), biocombustíveis e biorremediação. Apesar de todas as contribuições importantes, a manipulação genética não é amplamente aceite pela comunidade científica, devido às consequências que pode acartar.

De facto, podem ser levantadas várias questões éticas relativas a este tópico pela simples razão de constituir uma violação aos princípios básicos da bioética, desde a manipulação genética em humanos até à simples modificação do genoma de certos alimentos, que se ingeridos com uma certa regularidade poderão apresentar danos irreversíveis, como insuficiência hepática e renal.

No entanto, se a preocupação principal é a de estabelecer um limite ao conhecimento que podemos adquirir ou até um ajuste à moralidade da sociedade, contrabalançamos a necessidade de obter respostas aos problemas colocados pela ciência com a de manter a ingenuidade e estabilidade geral. Certamente, somos levados a pensar que a revolução tecnológica e científica poderá acarretar consequências muito graves e incorrigíveis para o ser humano, mas o que move o sujeito agente, ou seja, os nossos propósitos e objetivos é que são o grande problema a resolver, pois as nossas decisões e especulações relativas a uma certa temática é que são preponderantes no caminho que escolhemos levar. A título de exemplo, podemos basear-nos no cientista chinês, He Jiankui, que criou as primeiras bebés geneticamente modificadas com o objetivo de as tornar imunes ao HIV. Embora a manipulação genética em embriões humanos seja estritamente proibida, He Jiankui conduziu uma experiência que foi condenada e vorazmente criticada por violar um dos princípios básicos da ciência, mas até que ponto é que estes estudos serão considerados prejudiciais? E se conseguíssemos erradicar algumas doenças neurodegenerativas como o Alzheimer, o Parkinson e o Huntington ou até compreender melhor o cancro, que hoje em dia tem sido cada vez mais recorrente… Por outro lado, até que ponto é aceitável alterar certas características físicas para satisfazer a vaidade de alguns?

Estas são algumas das perguntas que se podem colocar relativamente a este assunto e embora seja óbvio que o ser humano não se encontra preparado para lidar com estas questões e que os interesses individuais se poderão sobrepor ao bem comum, esta busca incessante para obter respostas é necessária para a evolução. No entanto, onde é que definimos uma fronteira entre a ética e a ciência sabendo que não vivemos numa sociedade perfeita e que cada povo possui valores inerentes à sua própria cultura? Na verdade, pode parecer-nos bastante notório que estas duas áreas do saber em concreto têm objetivos muito diferentes, mas para alguns a ciência sem a ética não é ciência.

Na minha opinião, a boa ciência assim como a boa ética são complementares uma da outra, embora possa haver erros cometidos em ambas se considerarmos o fator humano (as imperfeições da ética e da ciência estão no próprio Homem), ou seja, num mundo perfeito o cientista deveria ser um indivíduo consciente e lógico.

Concluindo, teríamos que analisar sucintamente cada caso para poder chegar a uma decisão justa e adequada à situação, pois se nos regêssemos somente pela ética provavelmente não teríamos evolução e por outro lado, se tentássemos obter todo o conhecimento do mundo possivelmente caminharíamos para uma sequência de eventos caótica.

Mara Baptista

Negação Científica: Éticamente não ética

Nos dias que correm, movimentos anti-ciência vão ganhando cada vez mais visibilidade na sociedade ocidental. O número de seguidores tenderá a aumentar e esta tendência poderá ser baseada na falta de confiança e no descontentamento estabelecido perante evidências científicas previamente estabelecidas em detrimento de impressões e opiniões. O mediatismo e a divulgação de informação sensível por parte de indivíduos sem o mínimo de formação relevante em áreas científicas em redes sociais poderão ser os maiores inimigos da Ciência no século XXI.

Como bioquímicos, é natural associarmos a negação da ciência imediatamente com os movimentos de anti-vacinação. No entanto, não nos deixemos enganar. Se comparamos esta negação a um polvo, os seus tentáculos envolvem muitos outros movimentos, como as alterações climáticas, a defesa do criacionismo, a rejeição de relações causa-efeito (como a ligação entre o HIV e a SIDA), a evolução, Organismos Geneticamente Modificados, medicinas e terapias alternativas, numerologia e astrologia. Não, a lista não acaba aqui, mas tenhamos em mente de que o polvo é constituído por 8 tentáculos e não podia colocar em causa a analogia escolhida.

Não obstante, penso que algo está a falhar miseravelmente. Comissões de Ética foram criadas para que princípios básicos de dignidade e de idoneidade fossem respeitados durante o processo de investigação e para que se extraiam benefícios translacionáveis à comunidade de ideias bem-sucedidas. O avanço das tecnologias de comunicação permite o fácil acesso a este tipo de conteúdo, mas também a todo um universo de fundamentalismos e de fraudes que o cidadão comum não consegue discernir. Estas fraudes exploram dúvidas e aspetos negativos da ciência e os seus autores possuem a capacidade de as transformar em verdades absolutas que são seguidas e defendidas como se de um culto cego se tratasse. Deixa de fazer sentido questionarem-se e testarem-se hipóteses em detrimento de loucuras das quais nenhum benefício propositado resultará. Por isso, como espectador diário destas loucuras, pergunto-me: se a ciência lutou tanto para se afirmar perante mitos e crenças, regularizou-se, deu-se a conhecer e trouxe benefícios para a humanidade, como é que está a ser colocada novamente em segundo plano? Que papel poderão os investigadores desempenhar para a desacreditação de fraudes? Será que a saúde pública está a ser colocada em causa?

A negação da ciência é menos sobre ciência e mais sobre medos profundos e identidade pessoal e uma má interpretação de como a ciência funciona. E o mais assustador é que a anti-ciência é apresentada como uma ciência apesar de não o ser na sua essência. Se ainda existissem dúvidas, declaro aqui que não considero éticos todos os movimentos que se baseiam em mitos e crenças, que distorcem evidências científicas por claro conflito de interesse e que, acima de tudo, enganam quem não consegue perceber que está a ser enganado.

Citação da Edição:

“Organizámos uma sociedade com base na ciência e na tecnologia, na qual ninguém entende nada sobre ciência ou tecnologia. E esta mistura explosível de ignorância e poder, mais cedo ou mais tarde, vai explodir nas nossas caras. Quem gere a ciência e a tecnologia numa democracia de pessoas que não percebem nada sobre isso? (…) A ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar. Um modo de interrogação cética do universo com um baixo entendimento da capacidade de falha humana. Se nós não somos capazes de perguntar questões céticas, de interrogar os que nos dizem que algo é verdadeiro, de ser céticos das autoridades, então estamos preparados para aceitar o próximo charlatão, político ou religioso, que caminhe sozinho.”  – Carl Sagan

João Vieira

Burnout

Um estudo recentemente apresentado pelo professor João Marôco do Instituto Superior de Psicologia Aplicada aponta que mais de metade dos estudantes do ensino superior em Portugal encontram-se em “burnout”, destacando-se os estudantes de ciências biológicas como os que mais frequentemente apresentam sintomas característicos desta condição. O termo “burnout” refere-se ao grau de exaustão (física e emocional) resultante de uma exposição prolongada a fatores stressantes, que muitas vezes conduzem a um desgaste geral incompatível com a continuidade das funções desempenhadas.

É fácil de perceber o porquê de os estudantes portugueses apresentarem níveis de desgaste tão elevados, uma vez que têm de balancear o seu horário letivo com a imensidão de trabalhos para apresentar, artigos para escrever, exames para estudar e restante vida pessoal, juntando a isto o facto de uma grande parte serem estudantes deslocados. O que eu não acho tão fácil de perceber é por que razão os estudantes, ou pelo menos eu em particular, se devem sentir culpados por tirarem algum tempo para si mesmos e fazerem o que gostam ou por dormirem pelo período de tempo recomendado para um estilo de vida saudável. Pois é esse o sentimento que eu tenho, como se não me pudesse dar ao luxo de parar para descansar ou desanuviar sem conseguir esquecer as tarefas todas por fazer a acumular.

O cansaço dos estudantes vai muito para além da incapacidade física, muitas vezes leva ao descrédito das suas capacidades, à baixa produtividade e ao questionar da sua posição no curso frequentado. Aliando isto à conjuntura sócio-económica de Portugal, que constantemente empurra os jovens qualificados para fora do país, acredito que os estudantes repensem na utilidade dos seus estudos, sendo também responsável por muitas das desistências dos percursos académicos.

Agora, enquanto estudante de mestrado, já não são só os finais de semestre que me fazem desesperar e já não é janeiro o mês mais temido, todas as semanas são críticas e todas as semanas há avaliações. E se por um lado a pressão funciona como combustível para a engrenagem, também nos consome e nos faz sentir incapazes.

Talvez seja importante reconsiderar a metodologia de ensino e avaliação nas universidades e politécnicos portugueses, para que funcione realmente como uma ferramenta de aprendizagem e aquisição de conhecimentos e não apenas como uma imposição de factos decorados.

Diana Santiago

(BIO)Eticamente questionável

Se entre 2015 e 2017 festejávamos a deteção de ondas gravitacionais através dos estudos desenvolvidos pelos observatórios norte-americano, LIGO, e europeu, Virgo, provando que Albert Einstein estava correto quando propôs a Teoria Geral da Relatividade, em 1915; em 2010 questionávamos a árvore genealógica da humanidade através da análise de crânios fósseis completos, conduzindo à definição de uma nova espécie, o Homo luzonensis. Adicionalmente, na área da astronomia, nos últimos anos, soubemos mais sobre do espaço, muito graças ao telescópio espacial Kepler da NASA e ao seu sucessor TESS, que detetaram bastantes exoplanetas, planetas que orbitam uma estrela que não o nosso Sol.

Noutra área, com os progressos feitos na sequenciação de ácido desoxirribonucleico (ADN) um maior número de questões foi respondido: não só conseguimos sequenciar melhor o ADN como passámos a conseguir editar o mesmo. O livro que codifica a nossa vida parecia estar a ser descodificado de uma forma cada vez mais eficiente e rápida. E, para além da sua descodificação, parecia ser possível fazer a sua edição: adicionar, remover ou reparar! Em 2012, a CRISPR-CAS9 (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) revelou-se uma ferramenta poderosa de edição genética. Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna descreveram o desenvolvimento desta nova estratégia de edição genética. Aquando a pesquisa para este texto fiquei surpreendida por alguns autores defenderem que podemos dividir a área da biomedicina em duas eras: antes e após a CRISPR-CAS9.

Durante muito tempo acreditou-se que nenhum Cientista chegaria ao ponto de edição de genes em linhas germinativas, como espermatozoides, óvulos ou embriões. Mas aconteceu. Em 2018, o cientista He Jiankui anunciou que usou o CRISPR para editar um gene em duas meninas nascidas através de uma fertilização in vitro. Lulu e Nana são os dois primeiros humanos geneticamente modificados, contendo genes que foram modificados para serem imunes às infeções pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).

Este caso foi fortemente condenado pela comunidade científica por violar questões éticas. Muitas questões foram levantadas. Muito provavelmente, embora o gene alvo possa ter sido mutado, terão sido provocadas uma série de outras mutações indesejadas, os off-target effects, o fantasma que assombra esta tão poderosa ferramenta de edição. As desvantagens que ninguém gosta de falar.

Ainda na área da genética e reprodução, em 2016 assistimos ao nascimento de um bebé com 3 pais: esperma paterno, núcleo celular materno e o óvulo de uma terceira dadora. Esta terapia permite corrigir distúrbios nas mitocôndrias das mães. Esta técnica teve sucesso em macacos-rhesus. As mitocôndrias da mãe passam para os filhos através do citoplasma dos oócitos, logo, a alteração do citoplasma permite “trocar” o DNA mitocondrial defeituoso. Assim, transfere-se o núcleo do oócito da “mãe” (99% do ADN total da célula materna) para um oócito com citoplasma contendo mitocôndrias normais (doado sem núcleo). E o problema fica resolvido. A comunidade científica ainda está a refletir acerca desta estratégia. Contudo, em 2016 nasceu o primeiro bebé resultante da aplicação desta estratégia de reprodução medicinalmente assistida. Atualmente, mais crianças já nasceram com recurso a esta técnica. Há alguns países que já autorizaram a mesma, mas por exemplo os Estados Unidos proibiram a sua utilização argumentando que esta técnica se inclui no grupo de técnicas de edição genética “cujas modificações são transmissíveis às gerações seguintes”. Na realidade, neste caso, usar a expressão três progenitor revela-se sensacionalista, na medida em que a genética nuclear pertence apenas e somente aos pais biológicos, logo embora estejam três pessoas envolvidas no processo, apenas duas contribuem para a informação genética da descendência.

Já em 2018, a partir de células sanguíneas reprogramadas, foram criados precursores de espermatozóides e de óvulos humanos permitindo que dois ratos do mesmo sexo tivesses descendência. Ainda neste ano, cientistas chineses anunciaram o nascimento de dois macacos clonados que foram comparados à Dolly. Embora não sejam parentes próximos da Dolly por diversos motivos, e apesar de terem sobrevividos apenas poucas horas, esta foi a primeira vez que um macaco foi clonado a partir de células de um feto abortado (e não células adultas).

Poucos anos, muita evolução, mas muitas questões… Passo a passo, conhecimento a conhecimento, evolução em evolução, as respostas que dávamos às questões até então sem resposta abriam outra questão: a ética. Eticamente científico: o que é afinal o eticamente científico e até onde é que a ciência pode ir?

No dicionário, ética é definida como a parte da Filosofia que estuda os fundamentos da moral e o conjunto de regras de conduta de um indivíduo ou de um grupo. De origem grega – “ethos” significa costume ou comportamento, proposta por Aristóteles para a discussão de questões filosóficas. Mas quão rápida tem de ser a definição de condutas para garantir que acompanha a evolução científica?

As discussões éticas começaram com as células estaminais de embriões, pelo facto de se poderem usar células estaminais humanas para questões terapêuticas, crescimentos de células in vitro para o replacement de neurónios dopaminérgicos em pacientes com Parkinson ou células pancreáticas para o tratamento de diabetes. Diferentes questões foram levantadas, nomeadamente, sobre a destruição de embriões humanos para o conhecimento de doenças, sendo a maioria dos argumentos sobre a integridade e o respeito e dignidade da vida humana.

A cada evolução, uma nova questão (bio)ética se impõe. Terá a ética capacidade de acompanhar a evolução científica?

Uma coisa é certa, as questões éticas nunca cessarão.

Mariana Laranjo

Ética limitante

O ser humano intelectualmente desenvolvido sempre se pautou por questões éticas, obviamente adaptáveis aos tempos e à cultura corrente. De acordo com a Wikipedia, conceptualmente, Ethos (em grego antigo: “hábito; costume”) é o conjunto de traços e modos de comportamento que conformam o caráter ou a identidade de uma coletividade. Por outras palavras, creio que não estou errado ao afirmar que a Ética, numa comunidade, é um conjunto de regras sociais pelas quais ela se rege. Como se aplica a qualquer outra comunidade, isto é verdade também para a comunidade científica. Em bom rigor, Ética e Ciência, qualquer que seja o ramo, são duas disciplinas indissociáveis. No entanto, a pergunta para 1 milhão de dólares é: como traçar a linha entre o que é aceitável no processo de obtenção de conhecimento e o que não é, à luz das questões éticas?

Sou da opinião que o conhecimento é a causa mais nobre do mundo. Diz o povo que a ignorância é uma bênção, mas estou em profundo desacordo. Saber é sempre melhor que não saber. Se não fosse a Ciência e a sua incessante procura pelo conhecimento, a vida humana seria algo tão diferente daquilo que atualmente é que imaginar se torna um exercício inglório. Os problemas surgem quando a procura de conhecimento choca de frente com a Ética. Ora, o tema de capa desta edição da RNA Mensageiro surgiu na sequência de um desses choques, o famoso He Jiankui affair.

Jiankui é um biofísico chinês cuja Alma Materera, à data, a Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China, em Shenzhen. Muito sucintamente, através de uma técnica para edição de genética conhecida como CRISPR/Cas9, Jiankui introduziu em embriões fertilizados em laboratório uma mutação num gene, mutação essa que se crê que confere resistência inata ao vírus HIV, seguindo-se depois a gestação normal destes embriões. Importa dizer que os embriões eram de casais em que o homem era seropositivo e a mulher não, isto é, em que havia um risco grande da descendência do casal ser seropositiva. Obviamente, uma experiência deste género conduzida em humanos gerou amplas críticas na comunidade científica, sendo Jiankui apelidado de “Frankenstein chinês”. Além disso, estes atos valeram ainda o seu despedimento, uma pena de prisão de 3 anos, e uma multa de 3 milhões de Yuan (cerca de 400 mil euros). Mas analisemos este caso por partes.

À luz da legislação, não restam dúvidas. Estas atividades experimentais foram feitas de forma ilegal, envolvendo documentos forjados e um secretismo por razões óbvias. À luz das normas éticas em vigor, dúvidas também não as há. Efetuar experiências em humanos antes de se ter total certeza de que há efetivamente benefícios e de que os efeitos adversos roçam dentro dos possíveis o inócuo, como Jiankui fez, é indubitavelmente condenável, porque, de certa forma, é um rebaixar do valor da vida humana.

Por outro lado, à luz daquilo que é conhecimento público, avaliando as verdadeiras intenções do cientista, alguém é capaz de afirmar que este tinha más intenções? É que a técnica de CRISPR/Cas9 é já algo que vai começando a ser amplamente usado na comunidade científica (eu sou um dos muitos usuários), sendo portanto algo minimamente seguro unicamente no que à parte teórica diz respeito, e o que ele fez, por muito pouco ortodoxo que seja, foi oferecer uma solução para casais que se calhar pouca esperança tinham. Assim, urge perguntar: e se esta experiência for um sucesso? O resultado final serão pais super felizes, crianças que nascem sem um rótulo discriminatório enorme (na China, há um estigma social muito grande contra pessoas com HIV) e um avanço científico imensurável na área da biomedicina. Ou seja, se esta experiência for um sucesso, estamos perante um caso claríssimo em que a Ética, mais do que um guia, era um obstáculo ao desenvolvimento.

A minha opinião é de que estamos perante alguém que, vendo os factos de uma perspetiva diferente daquela que é amplamente aceite, agiu de acordo com as suas próprias noções éticas. É condenável? De acordo com as conceções vigentes, sem dúvida que é. De acordo com a ética pela qual Jiankui He se rege, parece que não. Na realidade, quem é que está certo, Jiankui ou a sociedade? Bem, isso fica para cada um refletir.

Em jeito de síntese, parece-me óbvio que a Ética será sempre um obstáculo para a Ciência e para o conhecimento no geral. E por muito polémica que possa ser a utilização da palavra “sempre”, relembro que a partir do momento que a sociedade no geral achar que algo é aceitável, mesmo que antes não o fosse, essa passa a ser a norma social vigente e, portanto, esse algo é algo ético. Dito isto, termino dizendo que a questão correta não é se a ética é um obstáculo para o conhecimento e a ciência, porque essa tem resposta fácil. A pergunta que se deve colocar é: quão limitante é a Ética, isto é, o que é que a sociedade perde por ser uma sociedade ética? Talvez os pros até sejam mais fortes que os cons. Contudo, eu diria que ao invés de se estabelecer julgamentos imediatos mediante a Ética em vigor, talvez fosse muito mais produtivo para o conhecimento e por inerência para a comunidade humana fazer esta pergunta sempre que algo eticamente questionável aparece. Bem sei que isto é demasiado teórico para sequer ser translacional, mas fica a dica para a sociedade.

Cláudio Costa

Xenobots: uma nova forma de vida?

Xenobots são os primeiros “robôs vivos” recentemente desenvolvidos por investigadores da Universidade de Vermont e da Universidade Tufts, nos Estados Unidos. Estes robôs biodegradáveis, com menos de 1 mm de comprimento, foram construídos a partir de células estaminais do sapo Xenopus laevis e para além de se moverem e nadarem, são capazes de transportar pequenos objetos e apresentam capacidade de autorregeneração.

Os Xenobots foram desenvolvidos no âmbito do projeto “Computer-Designed Organisms” que visa recriar novas formas de vida funcionais, tendo sido criados milhares de designs in silico com recurso a um algoritmo evolutivo. Atribuindo uma tarefa, como a locomoção numa direção, o algoritmo testa os designs candidatos em ambiente virtual, simulando o comportamento das células da pele, responsáveis pela estabilidade da estrutura, e das células do músculo cardíaco, responsáveis pelo movimento. Neste algoritmo, as simulações com maior sucesso são mantidas e refinadas, enquanto que as que falham são eliminadas. Os designs finais mais promissores foram selecionados e recriados in vitro.

Células da pele, derivadas de células estaminais provenientes de embriões de Xenopus laevis, foram manualmente cortadas e moldadas de forma a criar uma aproximação biológica do design simulado. Posteriormente foi adicionado tecido contráctil, incorporando células precursoras cardíacas, também derivadas das células estaminais do sapo.

Os investigadores observaram que os designs produzidos se moviam coerente e cooperativamente. Uma das versões possuía um orifício que foi posteriormente adaptado para o transporte de pequenas partículas. Observaram também que ao danificarem os Xenobots, estes voltavam a adquirir a sua forma. As células possuem energia suficiente para sobreviver cerca de 7 dias. Depois disso, os robôs degradam-se naturalmente, como qualquer organismo vivo.

A possibilidade de desenhar os Xenobots de forma a terem características únicas significa que versões futuras dos robôs podem ser desenvolvidas para aplicações na biorremediação da poluição microplástica nos oceanos, para localizar e digerir materiais tóxicos, administrar medicamentos dentro do corpo humano, remover placas de gordura nas paredes das artérias, ou simplesmente para ajudar a ampliar a compreensão na área da biologia celular.

Os Xenobots são máquinas biológicas programáveis. As perspetivas futuras consistem em desenvolvê-los em grande escala e criar versões mais complexas, adicionando vasos sanguíneos, sistemas nervosos e células sensoriais, possibilitando, assim, a realização de tarefas mais elaboradas.

Apesar deste projeto ainda se encontrar numa fase inicial, algumas questões éticas começam a surgir, particularmente, tendo em conta que versões futuras podem vir a apresentar sistema nervoso. Por outro lado, existe uma crescente preocupação com as implicações das rápidas mudanças tecnológicas e manipulações biológicas complexas. No entanto, neste momento, estes organismos não são capazes de se reproduzir ou evoluir e apresentam durabilidade limitada.

Ana Jacinto

Queres saber mais?

  1. “A Scalable Pipeline for Creating Functional Novel Lifeforms (Xenobots)”. Computer-Designed Organisms, cdorgs.github.io/.
  2. Brown, Joshua E. “Team Builds the First Living Robots”. UVM Today, The University of Vermount, 13 Jan. 2020, www.uvm.edu/uvmnews/news/team-builds-first-living-robots.
  3. Kriegman, S., Blackiston, D., Levin, M., & Bongard, J. (2020). A scalable pipeline for designing reconfigurable organisms. Proceedings of the National Academy of Sciences.
  4. Sample, Ian. “Scientists Use Stem Cells from Frogs to Build First Living Robots”. The Guardian, Guardian News and Media, 13 Jan. 2020, http://www.theguardian.com/science/2020/jan/13/scientists-use-stem-cells-from-frogs-to-build-first-living-robots

“Pontos nos Is” – O novo álbum de Os Quatro e Meia

Os Quatro e Meia são um sexteto que devido às voltas da vida se conheceram em Coimbra, que agora é o seu “quartel-general” e onde ensaiam uma vez por semana.

A banda constituída por 3 médicos (um pediatra, um médico de família e um interno de cirurgia torácica), um engenheiro informático (que tem como profissão web design), um engenheiro civil e um professor de violino, nasceu em Coimbra no seu meio boémio e estudantil.

Juntaram-se pela primeira vez para atuar num sarau de uma academia de dança da cidade, com o objetivo de angariar fundos para a mesma poder ir ao Canadá, sem ainda terem nome e, a partir daí começaram a crescer.

Um dos músicos afirma que eram “uma banda com poucos recursos e muitas vezes até usávamos instrumentos emprestados”.

Os Quatro e Meia definem o seu estilo como uma mescla de influências, onde a música portuguesa e brasileira, a bossa nova, o samba e o estilo dos anos 80 e 90 são os mais influentes.

Após algum tempo a Sony juntou-se à banda possibilitando a gravação e o lançamento do seu álbum “Pontos nos Is”.

Este álbum é definido pela banda como um CD pós-laboral, “Só não é totalmente pós-laboral porque isto também é um trabalho!”, afirmam.

“Pontos nos Is” é um álbum definido por melodias e harmonias universais, que se mistura muito bem no cancioneiro atual da música portuguesa. Nota-se a influência que os músicos portugueses, tais como António Zambujo, Rui Veloso ou Miguel Araújo, têm no estilo da banda.

O seu álbum de estreia retirou do trono da tabela nacional de álbuns “Excuse Me” de Salvador Sobral.

Para quem gosta de música portuguesa vai de certeza adorar Os Quatro e Meia, que são sem dúvida uma banda que vale a pena seguir.

Maria João Silva