(BIO)Eticamente questionável

Se entre 2015 e 2017 festejávamos a deteção de ondas gravitacionais através dos estudos desenvolvidos pelos observatórios norte-americano, LIGO, e europeu, Virgo, provando que Albert Einstein estava correto quando propôs a Teoria Geral da Relatividade, em 1915; em 2010 questionávamos a árvore genealógica da humanidade através da análise de crânios fósseis completos, conduzindo à definição de uma nova espécie, o Homo luzonensis. Adicionalmente, na área da astronomia, nos últimos anos, soubemos mais sobre do espaço, muito graças ao telescópio espacial Kepler da NASA e ao seu sucessor TESS, que detetaram bastantes exoplanetas, planetas que orbitam uma estrela que não o nosso Sol.

Noutra área, com os progressos feitos na sequenciação de ácido desoxirribonucleico (ADN) um maior número de questões foi respondido: não só conseguimos sequenciar melhor o ADN como passámos a conseguir editar o mesmo. O livro que codifica a nossa vida parecia estar a ser descodificado de uma forma cada vez mais eficiente e rápida. E, para além da sua descodificação, parecia ser possível fazer a sua edição: adicionar, remover ou reparar! Em 2012, a CRISPR-CAS9 (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) revelou-se uma ferramenta poderosa de edição genética. Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna descreveram o desenvolvimento desta nova estratégia de edição genética. Aquando a pesquisa para este texto fiquei surpreendida por alguns autores defenderem que podemos dividir a área da biomedicina em duas eras: antes e após a CRISPR-CAS9.

Durante muito tempo acreditou-se que nenhum Cientista chegaria ao ponto de edição de genes em linhas germinativas, como espermatozoides, óvulos ou embriões. Mas aconteceu. Em 2018, o cientista He Jiankui anunciou que usou o CRISPR para editar um gene em duas meninas nascidas através de uma fertilização in vitro. Lulu e Nana são os dois primeiros humanos geneticamente modificados, contendo genes que foram modificados para serem imunes às infeções pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).

Este caso foi fortemente condenado pela comunidade científica por violar questões éticas. Muitas questões foram levantadas. Muito provavelmente, embora o gene alvo possa ter sido mutado, terão sido provocadas uma série de outras mutações indesejadas, os off-target effects, o fantasma que assombra esta tão poderosa ferramenta de edição. As desvantagens que ninguém gosta de falar.

Ainda na área da genética e reprodução, em 2016 assistimos ao nascimento de um bebé com 3 pais: esperma paterno, núcleo celular materno e o óvulo de uma terceira dadora. Esta terapia permite corrigir distúrbios nas mitocôndrias das mães. Esta técnica teve sucesso em macacos-rhesus. As mitocôndrias da mãe passam para os filhos através do citoplasma dos oócitos, logo, a alteração do citoplasma permite “trocar” o DNA mitocondrial defeituoso. Assim, transfere-se o núcleo do oócito da “mãe” (99% do ADN total da célula materna) para um oócito com citoplasma contendo mitocôndrias normais (doado sem núcleo). E o problema fica resolvido. A comunidade científica ainda está a refletir acerca desta estratégia. Contudo, em 2016 nasceu o primeiro bebé resultante da aplicação desta estratégia de reprodução medicinalmente assistida. Atualmente, mais crianças já nasceram com recurso a esta técnica. Há alguns países que já autorizaram a mesma, mas por exemplo os Estados Unidos proibiram a sua utilização argumentando que esta técnica se inclui no grupo de técnicas de edição genética “cujas modificações são transmissíveis às gerações seguintes”. Na realidade, neste caso, usar a expressão três progenitor revela-se sensacionalista, na medida em que a genética nuclear pertence apenas e somente aos pais biológicos, logo embora estejam três pessoas envolvidas no processo, apenas duas contribuem para a informação genética da descendência.

Já em 2018, a partir de células sanguíneas reprogramadas, foram criados precursores de espermatozóides e de óvulos humanos permitindo que dois ratos do mesmo sexo tivesses descendência. Ainda neste ano, cientistas chineses anunciaram o nascimento de dois macacos clonados que foram comparados à Dolly. Embora não sejam parentes próximos da Dolly por diversos motivos, e apesar de terem sobrevividos apenas poucas horas, esta foi a primeira vez que um macaco foi clonado a partir de células de um feto abortado (e não células adultas).

Poucos anos, muita evolução, mas muitas questões… Passo a passo, conhecimento a conhecimento, evolução em evolução, as respostas que dávamos às questões até então sem resposta abriam outra questão: a ética. Eticamente científico: o que é afinal o eticamente científico e até onde é que a ciência pode ir?

No dicionário, ética é definida como a parte da Filosofia que estuda os fundamentos da moral e o conjunto de regras de conduta de um indivíduo ou de um grupo. De origem grega – “ethos” significa costume ou comportamento, proposta por Aristóteles para a discussão de questões filosóficas. Mas quão rápida tem de ser a definição de condutas para garantir que acompanha a evolução científica?

As discussões éticas começaram com as células estaminais de embriões, pelo facto de se poderem usar células estaminais humanas para questões terapêuticas, crescimentos de células in vitro para o replacement de neurónios dopaminérgicos em pacientes com Parkinson ou células pancreáticas para o tratamento de diabetes. Diferentes questões foram levantadas, nomeadamente, sobre a destruição de embriões humanos para o conhecimento de doenças, sendo a maioria dos argumentos sobre a integridade e o respeito e dignidade da vida humana.

A cada evolução, uma nova questão (bio)ética se impõe. Terá a ética capacidade de acompanhar a evolução científica?

Uma coisa é certa, as questões éticas nunca cessarão.

Mariana Laranjo

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