Negação Científica: Éticamente não ética

Nos dias que correm, movimentos anti-ciência vão ganhando cada vez mais visibilidade na sociedade ocidental. O número de seguidores tenderá a aumentar e esta tendência poderá ser baseada na falta de confiança e no descontentamento estabelecido perante evidências científicas previamente estabelecidas em detrimento de impressões e opiniões. O mediatismo e a divulgação de informação sensível por parte de indivíduos sem o mínimo de formação relevante em áreas científicas em redes sociais poderão ser os maiores inimigos da Ciência no século XXI.

Como bioquímicos, é natural associarmos a negação da ciência imediatamente com os movimentos de anti-vacinação. No entanto, não nos deixemos enganar. Se comparamos esta negação a um polvo, os seus tentáculos envolvem muitos outros movimentos, como as alterações climáticas, a defesa do criacionismo, a rejeição de relações causa-efeito (como a ligação entre o HIV e a SIDA), a evolução, Organismos Geneticamente Modificados, medicinas e terapias alternativas, numerologia e astrologia. Não, a lista não acaba aqui, mas tenhamos em mente de que o polvo é constituído por 8 tentáculos e não podia colocar em causa a analogia escolhida.

Não obstante, penso que algo está a falhar miseravelmente. Comissões de Ética foram criadas para que princípios básicos de dignidade e de idoneidade fossem respeitados durante o processo de investigação e para que se extraiam benefícios translacionáveis à comunidade de ideias bem-sucedidas. O avanço das tecnologias de comunicação permite o fácil acesso a este tipo de conteúdo, mas também a todo um universo de fundamentalismos e de fraudes que o cidadão comum não consegue discernir. Estas fraudes exploram dúvidas e aspetos negativos da ciência e os seus autores possuem a capacidade de as transformar em verdades absolutas que são seguidas e defendidas como se de um culto cego se tratasse. Deixa de fazer sentido questionarem-se e testarem-se hipóteses em detrimento de loucuras das quais nenhum benefício propositado resultará. Por isso, como espectador diário destas loucuras, pergunto-me: se a ciência lutou tanto para se afirmar perante mitos e crenças, regularizou-se, deu-se a conhecer e trouxe benefícios para a humanidade, como é que está a ser colocada novamente em segundo plano? Que papel poderão os investigadores desempenhar para a desacreditação de fraudes? Será que a saúde pública está a ser colocada em causa?

A negação da ciência é menos sobre ciência e mais sobre medos profundos e identidade pessoal e uma má interpretação de como a ciência funciona. E o mais assustador é que a anti-ciência é apresentada como uma ciência apesar de não o ser na sua essência. Se ainda existissem dúvidas, declaro aqui que não considero éticos todos os movimentos que se baseiam em mitos e crenças, que distorcem evidências científicas por claro conflito de interesse e que, acima de tudo, enganam quem não consegue perceber que está a ser enganado.

Citação da Edição:

“Organizámos uma sociedade com base na ciência e na tecnologia, na qual ninguém entende nada sobre ciência ou tecnologia. E esta mistura explosível de ignorância e poder, mais cedo ou mais tarde, vai explodir nas nossas caras. Quem gere a ciência e a tecnologia numa democracia de pessoas que não percebem nada sobre isso? (…) A ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar. Um modo de interrogação cética do universo com um baixo entendimento da capacidade de falha humana. Se nós não somos capazes de perguntar questões céticas, de interrogar os que nos dizem que algo é verdadeiro, de ser céticos das autoridades, então estamos preparados para aceitar o próximo charlatão, político ou religioso, que caminhe sozinho.”  – Carl Sagan

João Vieira

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