Investigadores na Coreia do Sul apanhados a referenciar jovens como coautores de artigos: Será ético?

De acordo com a notícia divulgada no volume 575 da Nature a 14 de novembro de 2019, foram identificados 82 artigos tendo jovens como coautores, jovens estes que frequentam o ensino básico ou secundário. Os investigadores fizeram isto para melhorar as hipóteses destes jovens de ganhar vagas na universidade.

A questão subjacente a esta situação é “Será esta atitude ética?”. Embora a ética seja um assunto muito pessoal e que pode variar de acordo com a pessoa que responde a esta pergunta; para entender completamente o problema, precisamos compreender a cultura sul-coreana, a motivação dos investigadores e os benefícios da sua atitude para os jovens envolvidos.

A Coreia do Sul é um dos países mais competitivos nas taxas de aceitação das universidades. Apesar de ter centenas de universidades, o acesso às melhores é muito difícil, sendo que a taxa de aceitação para estudantes coreanos pode ser de apenas 1% (e geralmente, esse privilégio é atribuído aos jovens com altas posições sociais), e com apenas cerca de dois terços dos alunos elegíveis a ter acesso ao ensino superior, a competição é ainda mais difícil.

Além das taxas de aceitação nas universidades, a cultura coreana é altamente focada na educação e nas notas escolares, tornando os exames coreanos uns dos mais difíceis do mundo. Reprovar ou mesmo ter nota abaixo de Bom não é uma opção, pois pode envergonhar toda a família (e até levar ao suicídio do jovem).

Tudo isto coloca uma enorme pressão nos estudantes coreanos, obrigando-os a fazer tudo o que podem para garantir que conseguem uma vaga na universidade, e se o jovem pertencer a um estatuto social elevado, a pressão é ainda maior. Os jovens coreanos quase não têm tempo livre, desde aulas a explicações e atividades extracurriculares que podem impulsionar a sua média e currículo, quase não há tempo para respirar fundo e apreciar a vida.

Compreender estas nuances sociais faz-nos olhar para a situação de um ângulo diferente.

Agora entendemos que houve boas intenções dos investigadores que referenciaram os jovens como coautores, uma vez que tudo o que eles estavam a tentar fazer era remover parte da pressão que a sociedade exerce sobre estes jovens desde a sua mais tenra idade; então sendo que estas ações foram feitas sem intenção de prejudicar, e se foram feitas como forma de reconhecimento do trabalho árduo dos jovens e por amor a elas, podemos censurar e culpar estas “pequenas mentiras”?

Na minha opinião, SIM, estas ações podem e devem ser censuradas e punidas. É uma mentira, que apesar das boas intenções, prejudica quem trabalha duro todos os dias para conquistar, por si, a tão almejada vaga numa universidade. É uma mentira que passa a mensagem de que a mentira é permitida e aceitável. É uma mentira que diminui a reputação dos investigadores e da ciência. É uma mentira que dá às pessoas um motivo para desacreditar a ciência e as evidências científicas, porque se um investigador mente sobre quem escreveu o artigo, sobre o que mais estará ele a mentir?

Esta ação, cujo único objetivo era remover parte da pressão sentida pelos jovens, abre um precedente para a falta de confiança nos investigadores e na ciência em geral.

A ciência já é um alvo para pessoas que não querem reconhecer alguns problemas. Pessoas que dedicam as suas vidas a contradizer e desacreditar as evidências científicas que não as favorecem. Desde sempre que os investigadores lutam para que os seus trabalhos sejam aceites por indivíduos que não os entendem e querem esconder ou disfarçar a verdade. Com ações como estas, a única coisa que se consegue é a desconfiança do público, pois são notícias altamente divulgadas e nas quais todos acreditam. Estas são as notícias que são lembradas e usadas como exemplo quando alguém tenta explicar por não se deve confiar na ciência. Notícias como esta são o princípio fundamental para a pergunta já mencionada – sobre o que mais mentem eles? Se eles precisam de mentir em assuntos tão insignificantes como os autores de um artigo, sobre que coisas importantes também mentem?

O problema existe e é muito claro, as crianças sul coreanas sofrem uma pressão que as priva de uma infância, mas esse problema não deve ser resolvido com mentiras. Esse problema precisa de ser abordado por uma mudança social, percebendo que a educação não é o fator mais importante da vida, e fazendo essa mudança de mentalidade, as ações tomadas pelos investigadores não acontecerão novamente.

É óbvio que mudar a mentalidade e a cultura de um país não é fácil ou agradável para as pessoas visadas, mas na minha opinião é necessário para uma infância mais saudável para as crianças e como forma de prevenir este tipo de ações, pois os investigadores representam toda a comunidade científica, e por isso as suas ações envolvem toda a sociedade, portanto as consequências não ficam na Coreia do Sul e não afetam apenas as crianças coreanas, as consequências são expandidas para todas as áreas científicas de todo o mundo. Ações como essa precisam ser pensadas e a comunidade científica deve agir para evitar que elas aconteçam.

Maria João Silva

Leave a comment