Revolução no tratamento da Diabetes Tipo 2

Background

Sejam bem-vindos aos loucos anos 20 do século XXI! Estes são de facto tempos de grande incerteza e preocupação, à semelhança dos loucos anos 20 do século passado. O início do século passado ficou marcado pela Primeira Guerra Mundial (entre 1914-1918, aproximadamente 20 milhões de mortos) e pela pandemia de Gripe Espanhola (1918-1920, aproximadamente 50 milhões de mortos). A esperança média de vida para os homens era de aproximadamente 47 anos e de 50 anos para as mulheres, e para além de mortes acidentais como afogamentos, insolações, acidentes ferroviários, envenenamentos, ferimentos por armas de fogo, queimaduras, fraturas e luxações, as principais causas de morte eram:

  • Enterite e infeções gastrointestinais;
  • Tuberculose;
  • Pneumonia;
  • Doença Cardíaca;
  • Doença de Bright (Insuficiência Renal).

Atualmente, além da esperança média de vida ter subido consideravelmente para ambos os sexos, é justamente aceite por toda a sociedade que as principais causas de morte são:

  • Doença Cardíaca;
  • Cancro;
  • Doenças Respiratórias Crónicas;
  • Acidentes;
  • Acidentes Vasculares Cerebrais.

Sabe-se também que estilos de vida sedentários e dietas ricas em hidratos de carbono e gorduras saturadas são um dos principais fatores para o aparecimento de comorbidades que predispõem um paciente a desenvolver outras doenças. Um exemplo é a Diabetes Tipo 2, uma doença metabólica caracterizada pela resistência à insulina que geralmente evolui de obesidade e que pode levar a doenças cardiovasculares, insuficiência renal, cegueira e amputações. Muitos fatores da síndrome metabólica – um conjunto de 5 condições que podem causar doenças cardiovasculares, diabetes, acidentes vasculares cerebrais e outros problemas de saúde – afetam a função cerebral, como hiperglicemia crónica, complicações microvasculares, resistência à insulina, dislipidemia e hipertensão. Como se não bastasse, há também um crescente número de evidências epidemiológicas sugerindo que a resistência à insulina está associada a um risco aumentado de desenvolvimento de declínio cognitivo relacionado à idade, comprometimento cognitivo leve, demência vascular e doença de Alzheimer.

A diabetes pode ser prevenida, tratada e controlada através de uma alimentação saudável, atividade física regular e medicamentos para reduzir os níveis de glicose no sangue. Indivíduos com Diabetes Tipo 1 devem receber insulina por injeção ou bomba para sobreviverem. Em diabéticos do Tipo 2, cuidados alimentares, exercício físico regular e a administração de insulina também são usados para diminuir os níveis de glicose circulantes. Contudo, fármacos também são incluídos no tratamento do paciente de modo a garantir-se uma regulação da glicémia mais eficaz e completa. Seguem-se vários medicamentos usados no tratamento da Diabetes Tipo 2 e outros que prometem revolucionar as terapias já nesta década.

Metformina

A metformina (dimetildiguanida) é o tratamento de primeira linha padrão quando as mudanças no estilo de vida não atingem os objetivos glicémicos desejados. A metformina é um composto biguanida que reduz os níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) ao inibir a gliconeogénese. Se a meta de HbA1c não for atingida após aproximadamente três meses de terapia com metformina, um dos cinco medicamentos de segunda linha pode ser adicionado ao regime de metformina: uma tiazolidinediona, uma sulfonilureia, um inibidor de dipeptidil peptidase 4 (DPP-4), um inibidor de cotransportador de sódio-glicose (SGLT-2) ou um agonista do recetor de peptídeo-1 semelhante a glucagão (GLP-1R). A insulina basal também pode ser adicionada à monoterapia com metformina.

Lixisenatida

Em julho de 2016, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou a lixisenatida (Adlyxin, Sanofi), um agonista de GLP-1R. A recomendação consiste numa injeção do fármaco uma vez ao dia na altura de uma das suas refeições, como um adjunto à dieta e exercícios para o tratamento de adultos com Diabetes Tipo 2. A aprovação foi baseada nos resultados do programa de ensaio clínico GetGoal e nos resultados do ensaio de Avaliação de Lixisenatida na Síndrome Coronariana Aguda (ELIXA). A ELIXA correspondeu à solicitação da FDA de dados que demonstram a segurança cardiovascular, que foi incluída numa carta de rejeição anterior. O programa GetGoal, que incluiu 13 estudos clínicos, avaliou a segurança e eficácia da lixisenatida em mais de 5 000 adultos com Diabetes Tipo 2. Todos os estudos GetGoal alcançaram com sucesso o objetivo primário de eficácia de reduções de HbA1c. Os efeitos secundários mais comuns incluíram náuseas, hipoglicemia e vómitos.

A lixisenatida está disponível em caneta pré-cheia descartável em dose única de 20 µg. Os pacientes também receberão uma caneta pré-cheia descartável em uma dose única de 10 µg que devem iniciar uma vez ao dia por 14 dias. No 15º dia, os pacientes aumentarão a dosagem para 20 µg uma vez ao dia.

Ertugliflozin

Ertugliflozin (Pfizer/Merck), um inibidor de SGLT-2 (de injeção oral, uma vez ao dia), demonstrou reduções significativas de HbA1c em dois estudos de fase 3 (VERTIS Mono e VERTIS Fatorial) em indivíduos com Diabetes Tipo 2. Os resultados do estudo mostraram reduções estatisticamente significativas em HbA1c para as duas dosagens de ertugliflozina testadas (5 mg por dia e 15 mg por dia). Como um inibidor do cotransportador 2 de glicose-sódio (SGLT-2), a ertugliflozina reduz os níveis de glicose no sangue, fazendo com que os rins removam a glicose do corpo pela urina. A ertugliflozina é rapidamente absorvida e eliminada principalmente por glucuronidação. Em maio de 2015, a FDA alertou que o tratamento com os inibidores SGLT-2 atualmente disponíveis, como canagliflozina (Invokana, Janssen), dapagliflozina (Farxiga, AstraZeneca) e empagliflozina (Jardiance, Boehringer Ingelheim), podem causar cetoacidose. Ertugliflozin foi aprovada pela FDA em dezembro de 2017.

FIAsp (ultra-rapid insulin aspart)

A Novo Nordisk desenvolveu o FIAsp, uma versão de ação mais rápida do NovoLog da empresa, para ajudar a proteger o NovoLog da erosão genérica em biossimilares. O FIAsp foi projetado para fornecer uma melhor correspondência com o perfil fisiológico da insulina prandial e produzir uma melhor resposta ao rápido aumento na necessidade de insulina após uma refeição em comparação com NovoLog. Em dezembro de 2015, a Novo Nordisk apresentou um novo pedido de medicamento para FIAsp à FDA para o tratamento de adultos com Diabetes Tipos 1 ou 2. O depósito foi baseado nos resultados dos ensaios de fase 3a ONSET 1 e ONSET 2, que envolveram aproximadamente 2100 adultos com Diabetes Tipos 1 ou 2, respetivamente. Ambos os estudos avaliaram a eficácia e a segurança do FIAsp na hora das refeições e após as refeições na redução dos níveis de HbA1c e no fornecimento de controlo de glicose no sangue pós-prandial. Em ambos os ensaios, o FIAsp foi comparado com NovoLog.

No estudo direcionado para a Diabetes Tipo 2 (ONSET 2), o FIAsp mostrou ser não inferior ao NovoRapid na redução da HbA1c. Um total de 881 pacientes com Diabetes Tipo 2 descontrolada com uma combinação de insulina basal e medicamentos antidiabéticos orais tiveram a sua terapia basal otimizada durante um período de execução de oito semanas. Os 689 pacientes que atingiram a meta pré-especificada de HbA1c de 7,0% a 9,5% durante a fase de execução foram aleatoriamente designados para a adição de FIAsp ou NovoRapid como insulina às refeições por 26 semanas. No final do estudo, a HbA1c média tinha melhorado de aproximadamente 7,9% para aproximadamente 6,6% em ambos os grupos FIAsp e NovoRapid. O FIAsp está disponível nos E.U.A. desde 2017 e foi aprovado pela FDA em outubro de 2019. A farmacêutica Novo Nordisk pretende disponibilizá-lo no dispositivo de entrega pré-preenchido FlexTouch e um frasco de 10 mL.

Rybelsus, Semaglutida Oral (NN9924, OG217SC)

O composto desenvolvido pela Novo Nordisk é uma formulação oral, administrada uma vez por dia, do agonista de GLP-1R. Este composto é nada mais nada menos que uma versão de um composto injetável chamado Semaglutida, que é administrado uma vez por semana. Esperava-se que o medicamento atingisse o status de blockbuster porque todos os outros agonistas de GLP-1R no mercado são produtos injetáveis. Foi aprovado pela FDA a 20 de setembro de 2019.

O composto OG217SC foi desenvolvido como uma formulação de comprimido, com um excipiente que aumenta a absorção, denominado N-(8-[2-hidroxibenzoil]amino)capril-tardio de sódio. Aquando do seu desenvolvimento, não existiam agonistas de GLP-1R orais comercializados.

Em agosto de 2015, a Novo Nordisk anunciou a decisão de iniciar um programa de ensaio clínico de fase 3ª com OG217SC. A decisão seguiu resultados encorajadores de um estudo de fase 2 de prova de conceito. O programa PIONEER consistiu em sete estudos envolvendo aproximadamente 8000 pacientes com Diabetes Tipo 2. Seis dos estudos avaliaram a segurança e eficácia de OG217SC, e um estudo examinou especificamente o perfil de segurança cardiovascular do medicamento.

Semaglutida

A Semaglutida (Novo Nordisk) também foi desenvolvida como uma injeção subcutânea uma vez por semana para pacientes com Diabetes Tipo 2. Vários medicamentos injetáveis ​​nesta classe já estão no mercado, incluindo Exenatida (Byetta) e Exenatida de liberação prolongada (Bydureon) da AstraZeneca, e Liraglutida (Victoza) da Novo Nordisk. Em junho de 2016, a Novo Nordisk relatou os resultados de dois estudos de fase 3ª da Semaglutida em adultos com Diabetes Tipo 2. No estudo SUSTAIN 2, a Semaglutida (0,5 mg e 1,0 mg) administrada uma vez por semana melhorou significativamente o controle glicémico em comparação com a sitagliptina (100 mg). No estudo SUSTAIN 3, a semaglutida (1,0 mg) administrada uma vez por semana melhorou significativamente o controle glicémico em comparação com a exenatida de liberação prolongada (2,0 mg).

Aprovado em setembro de 2020, a Semaglutida é o quarto agonista do GLP-1R no mercado administrado uma vez por semana.

Take-Home Message O mercado atual de Diabetes Tipo 2 está repleto de medicamentos de marca, genéricos e biossimilares. Todos esses agentes, entretanto, tendem a perder eficácia após três ou quatro anos de tratamento. Espera-se que estes medicamentos recentemente aprovados possam revolucionar o tratamento de Diabetes Tipo 2, se puderem efetivamente demonstrar a capacidade de fornecer um controle glicémico mais duradouro em comparação com os tratamentos tradicionais.

João Vieira

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