Realidade ou Ficção? Eis a questão

Acordar, ter aulas, sair, tomar banho, dormir. Acordar, ter aulas, sair, tomar banho, dormir. Todos os dias repetimos uma rotina incessante, automática, quase mecânica. E os dias passam, acumulam-se, amontoam-se todos que nem sardinhas em lata, mas sem óleo para melhor descerem, amontoam-se na sua imensa amargura, cheios de melancólicos suspiros. E nós atrás deles corremos, ingénuos e sonhadores, pregando votos de grandes aventuras e míticas peripécias, tudo isto sem nunca sair do sofá. Mas problema isto não é, pois a imaginação para alguma coisa haverá de ter sido inventada, não concordam?

Por vezes esta última aventura-se um pouco demais, seja no grande planalto da melancolia ou nos surreais alpes da razão, e deixamos de vislumbrar o chão. Deambulamos por dentro da densa névoa de devaneios em busca de um misero pensamento coerente, decepando incontáveis cenários do que poderia ter sido, ou do que ainda há de ser, talvez por isso seja tão difícil o chão ver. Perdemos tanto tempo às grandes altitudes admirar, que para baixo fica de olhar. “Vive no presente, é o melhor que vais ter.” e “Esses anos são os melhores da tua vida”, estamos sempre a ouvir, e, no entanto, tudo o que fazemos é pedir mais, numa insaciável fome do que a vida nos há de trazer. E com tudo isto, toda esta correria, este interminável alvoroço de que fazemos quotidiano, é difícil deixar de pedir mais, de se contentar, de estar satisfeito. Isto implora então a pergunta, que devemos nós fazer? Ceder à pressão deste mundo em que vivemos, sucumbir e moldarmo-nos às paredes do sistema? Ou deixar-nos engolir por estas tão aliciantes fantasias, viver num mundo feito por este cerebral alfaiate? Bem, não me cabe a mim por vocês responder, como escritor quero somente assombrar-vos com a penumbra da realidade que a todos nos persegue. Vais-te deixar ser engolido?

Miguel Mota

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