Meninas na Ciência

O ano é 2021, muitos intitulam os tempos que vivemos de “novo normal”. Muito mudou no último ano, mas as desigualdades permanecem enraizadas no nosso quotidiano. Enquanto nos encontrávamos em quarentena enfrentando o que pensávamos ser o pior dos desafios, vimos milhares de pessoas, que se sentiram na obrigação de quebrar o seu isolamento social em prol da luta de direitos humanos fundamentais. Movimentos como o Black Lives Matter, manifestações antirracistas, antifascistas e feministas ocuparam as ruas um pouco por todo o mundo.
Dia 11 de fevereiro deparo-me, pela primeira vez, com a celebração do Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Perguntei-me na altura até que ponto não existiriam lutas mais urgentes, tendo em conta as inúmeras vozes injustiçadas que já se faziam ouvir por outras causas e a situação catastrófica em que se encontrava Portugal num culminar de uma segunda vaga. Então fiz o que qualquer jovem (de primeiro mundo) faria e fiz uma rápida pesquisa na internet para tentar perceber as dimensões do problema.
Os dados mais recentes divulgados pela UNESCO indicam que menos de 30% dos investigadores são mulheres e que a percentagem de prémios nobel atribuídos a mulheres são uns residuais 3%. De salientar ainda que, 35% dos estudantes que dedicam os seus estudos superiores às áreas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) são mulheres e apenas 3% destas optam pela área das TIC (tecnologias da informação e comunicação).
De modo a empoderar as mulheres e numa tentativa de quebrar alguns estereótipos e desigualdades que as afastam da ciência, a ONU criou o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Chamo à atenção o facto de nesta data se celebrar também as meninas na ciência. Já todos estamos familiarizados (ou devíamos) com os obstáculos que são impostos às mulheres a nível profissional, contudo muitas das desigualdades têm origem na infância.
Considero que, a pouca representatividade das mulheres na ciência é um fator significativo para o desinteresse precoce nas STEM. Embora esta tendência tenha vindo a diminuir, é muito comum que raparigas tenham um contacto mais tardio com as ciências comparativamente com os rapazes. As diferenças de tratamento entre géneros são logo notórias nos brinquedos impingidos a uns e a outros, enfatizando logo na infância que existem tarefas de menina e tarefas de menino. Às meninas estão destinados brinquedos que estimulam os seus dotes como cuidadoras do lar, entre muitos brinquedos, temos cozinhas e utensílios de cozinha, baldes e esfregonas, bebés e respetiva parafernália. Por outro lado, os meninos têm uma maior probabilidade de serem expostos a brinquedos que estimulam o raciocínio e os introduzam ao mundo das ciências, com construções de vulcões ou kits de escavação de fosseis, por exemplo. Neste ramo destaco a “Science4you”, uma marca portuguesa que tem vindo a introduzir cada vez mais cedo brinquedos educativos e científicos nas brincadeiras das crianças independentemente do seu género.
Mais tarde, quando as crianças são confrontadas com a corriqueira pergunta “O que queres ser quando fores grande?”, as respostas femininas raramente roçam a área das ciências. “Médica” e “veterinária” talvez sejam das profissões mais mencionadas com uma base científica. Deduzo que tal se deva a um maior contacto por parte das crianças com médicas e veterinárias mulheres. A pouca representatividade de mulheres em profissões ou cargos que são historicamente catalogados como de homens, levam a que meninas coloquem estas posições completamente de parte ou as achem inalcançáveis. Como pode uma menina querer ser informática, por exemplo, se nunca se viu representada como tal?
Outro aspeto, um pouco mais sério, importante de realçar é a diferença de escolaridade que se verifica entre sexos, principalmente em países em desenvolvimento. Cerca de dois terços da população analfabeta é feminina. As estatísticas apontam que 9 milhões de meninas não chegam sequer a entrar para o ensino primário, contrastando com os 3 milhões de rapazes nas mesmas condições. De realçar que das 9 milhões de meninas sem escolaridade, 4 milhões são habitantes da África subsaariana. Assim, é fácil perceber que são as meninas as primeiras a abandonar os estudos aquando situações de carência ou vulnerabilidade. Fatores como assédio e abuso sexual, violência e impedimentos a grávidas também levam, pelas razões óbvias e também por falta de apoio, ao abandono escolar.
Um relatório da UNESCO publicado em outubro de 2020, relata que houve um aumento, de 73% para 89%, na taxa global de matrículas de meninas. No entanto, quando comparando com meninos, as meninas ainda são as mais prejudicadas, tendência que se espera vir a agravar devido às dificuldades decorrentes da pandemia da COVID-19.
Se me permitem, gostaria de realçar o excelente trabalho da Embaixadora de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), Catarina Furtado. O seu trabalho exímio e a sua dedicação para com as temáticas de igualdade de género e luta contra as desigualdades são verdadeiramente inspiradores.
Muitas são as mulheres e meninas que são merecedoras de mérito, quer pelos seus assombrosos contributos à sociedade e à comunidade científica, quer pelos obstáculos e adversidades que enfrentam. Não obstante, hoje, em modo de despedida, homenageio os nossos leitores que se juntam a nós nesta missão de tornar ciência acessível a todos.

Daniela Silvério

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