Aos primórdios da Consciência: seremos nós a abelha ou a colmeia?

Gostaria de iniciar este devaneio advertindo o leitor que o mesmo se trata de mera especulação teórica e não de uma tentativa de revogar qualquer crença ou ideologia individual, procurando apenas apresentar uma nova e fresca perspetiva do que somos ou a origem da capacidade de fazer essa mesma questão.

Quem sou eu? Ou mais especificamente, o que sou eu? Questões que arrebatam e assolam tanto o indivíduo singular como o conjunto da espécie desde os primórdios da nossa capacidade de racionalização dos estímulos que nos rodeiam e a intrínseca busca por conhecimento. A cruzada na busca incessante de respostas a estas questões, culminou em descobertas e acesso a conhecimento nunca antes expectados. Contudo, nenhuma capaz de fornecer qualquer resposta específica a essas perguntas.

Seremos nós, então, um produto da nossa própria consciência? Segundo diversas definições, o termo “consciência” pode ser atendido, em sentido lato, como a “perceção, compreensão e consciencialização do sistema interno e externo, a partir de estímulos, caracterizada por sensações, emoções, pensamento ou volição”. A teologia e as diferentes religiões podem até apresentar uma breve justificação para isso como “alma”, uma abstração que nos identifica individualmente e representa quem somos em todos os aspetos. Mas poderá, ainda assim, o conceito de consciência ou “alma” possuir algum ínfimo fundamento biológico?

Na tentativa de encontrar uma possibilidade de resposta a estas perguntas, é necessário recuar aos primórdios da história do processo evolutivo da nossa “máquina de pensar”- o cérebro. Os primeiros registos de exemplares ancestrais de neurónios, ou “protoneurónios”, terão sido identificados em seres unicelulares procarióticos primitivos, há cerca de 600 Ma. Estes, mesmo não possuindo neurónios em si integrados, apresentavam mecanismos específicos de sobrevivência com recurso a interações bioquímicas com o meio envolvente.

A hipótese aqui apresentada assenta, assim, nesta base: poderá a célula singular – o organismo unicelular, possuir uma forma ancestral do que consideramos como conceito de consciência atual? Seguindo este raciocínio, podemos ainda deduzir que, posteriormente, através de processos evolutivos de agregação celular e relações simbióticas com outros organismos, o surgimento dos primeiros seres multicelulares, dotados de novos e mais sofisticados mecanismos de interação a nível intercelular, poderá ter culminado na formação de uma teórica “consciência em colmeia”. Nesta, cada célula apreende informação do meio externo e transmite-a para as restantes células desse organismo, através de processos eletroquímicos, permitindo, deste modo, viabilizar e assegurar a sua sobrevivência através desta forma coletiva de proto consciência.

Consequentemente, através do processo de especialização celular e de tecidos nos organismos multicelulares, foi possível iniciar o desenvolvimento das primeiras redes neuronais, até ao surgimento do encéfalo e do sistema nervoso, semelhante ao atual existente. Esta adaptação poderá ter desencadeado um passo importante na especificidade da própria consciência, com a formação de um órgão e sistema específicos para as suas funções, com recurso a outros mecanismos associados à perceção da realidade e de estímulos externos e internos através dos diferentes sentidos.

Porém, um dos fatores evolutivos a ter ainda em consideração será também o conceito de “instinto”, comummente associado a comportamento animalesco irracional. Este é caracterizado como a capacidade de percecionar, reagir e adaptar a qualquer estímulo externo, em situação de perigo iminente, no mínimo período de tempo possível, sendo passível de se designar como o mais aperfeiçoado mecanismo de sobrevivência animal. Será então o instinto apenas um dos passos da travessia evolucionária na conquista da consciência racional? Se sim, que significado terá isso para nós enquanto espécie? Seremos nós assim tão especiais e distintos das restantes, quase divinos – a “espécie escolhida” – como nos fazem crer, apenas com base na nossa racionalidade, ou estaremos unicamente um passo adiante num mesmo trajeto evolutivo? Que implicações poderá isto acarretar na forma como interpretamos a natureza que nos rodeia, como seres iguais e não convencionalmente “inferiores” a nós?

Francisco Gamboa

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