Fôlego – em defesa da tua ausência

Estará em algum lugar meu aquilo que perdi entre histórias que contava dos tempos em que estava mau tempo? – lembras-te de quando nevou? – em que era nosso o tempo que se curvava perante cada singularidade como se de nada se tratasse, como se cada casa fosse um templo e cada templo um tratamento para a sobriedade que a idade nos traz às costas – escala comigo um monte perde o teu tempo comigo – será que é andamento ou será que o meu tempo foi também a minha hora? Olha para trás e vês-me velho no Inverno da minha vida, olha para a frente e vês como a Primavera pode inaugurar o Outono sem que o Verão lhe brotasse das palmas das mãos – dá-me as mãos.

Sente-me a afundar no que resta de mim entre os colapsos do meu peito na terra por entre a humidade: eu vivo na interface da minha face com a superfície do mundo – entra em minha casa, descalça-te – sabias que me lembro de quando a brisa era uma criança e de a sentir como se fosse um membro fantasma e do meu quiasma com os quatro ventos lembrado outros pensamentos que já não são da tua geração – dizer que já não é do teu tempo ainda é do meu tempo? – e por vezes ainda sonho os sonhos que já não tenho porque os que eram são ainda parte de mim, talvez não inteiros nem por metade nem por partes nem por infinitesimais, só segmentos que me saciam a sede entre ofegações que me são oferecidas por pulmões cansados em jeito de prenda – já te disse que acho os teus trejeitos queridos? – às vezes tenho medo que o que eu digo te ofenda por isso é que a maior parte do que eu te digo fica por dizer – vem deitar-te comigo – será que é este o conforto que pretendes, será que disse algo que não devia, será que devia falar mais? – devia endireitar aquele quadro – mas ele está torto porque compõe o quarto e no canto entre a mesinha de cabeceira e a parede proclamações cerebrais fazem-se ouvir quando estou sozinho em casa que me dizem o que esperar quando não posso esperar nada e o que ter quando o que tive era o pouco que teimava em dar-te – amavas-me se eu vivesse da minha arte? – pergunto-me quanto ganharia se fizesse vida das tentativas ridículas de encontrar significado numa tela branca, branco, e de o ver a ter de me ter como se fosse submissiva a minha mão e encontra-se lar a quebrar o nulo com mates e brilhos – toma as minhas mãos.

Quero lembrar-me do tempo que temos juntos como um cachecol velho que alguém herda sem ninguém saber, porque a memória é circular e a herança é linear – achas que enquanto dormimos perdemos demasiado? – eu lembro-me de dormir bem e o que perdi é o mesmo que me faz dormir pouco – nada, não se passa nada, estou só a pensar – e eu sei que o muito perde-se entre suspiros meus e o que tenho para dizer fica sempre dito, não te preocupes, eu falo por silêncios para lhes dar força, em notação musical as pausas longas parecem compassos vazios porque é a falta de som que o compositor considera mas esquece-se da reverberação da sala e das tosses menos oportunas – não, eu estou bem, tenho apanhado frio.

Amanhã falamos.

 

José Guilherme Almeida

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