Cientistas em Portugal

Portugal pode ser um país invejado por muitos, afinal quantos são os holandeses, franceses e ingleses que se rendem ao nosso país e decidem passar as suas reformas, os seus últimos anos em terras lusitanas. De facto, Portugal tem o seu encanto, bom clima, boas praias, boas paisagens, boa comida (muito boa comida), bons vinhos, bons costumes, boa gente. Afinal somos um país calmo, o canto da Europa, somos simpáticos e quando há algum problema dizemos uns para os outros “não te preocupes, havemos de desenrascar”.

Talvez, o desenrasque seja mesmo a maior característica portuguesa, pois se há algo em que somos fortes é no desenrasque, já no planeamento a conversa é outra… Realmente Portugal tende a tardar na arte de planear, vejamos… tardamos a investir em novos modelos de educação, quantos de nós não sabemos despejar a matéria aprendida de forma sublime, mas pouco ou nada a sabemos aplicar no nosso quotidiano. Tardamos a planear um programa escolar que seja, efetivamente, bem estruturado, afinal quantas não foram as reformas a que já sujeitámos os estudantes portugueses nos últimos 15 anos? Tardamos a planear um desconfinamento, e quando finalmente o fazemos, conseguimos ter incongruências tais como abrir uma esplanada antes de retomar o ensino presencial, e, por último, tardamos a planear o plano de vacinação e quando finalmente o apresentamos, pouco ou nada corre como o esperado. Mas se desenrascar é a primeira característica portuguesa, protelar é logo a segunda e já nem causa surpresa no povo.

A minha questão passa por, até quando vai Portugal demorar a tomar uma atitude que evite a constante saída dos seus jovens do país? Quando irá Portugal, um país envelhecido, valorizar os seus jovens e não os enxotar (palavra feia, mas a que melhor se aplica) lá para fora?

Graças à pandemia que vivemos, foram finalmente valorizados todos os profissionais de saúde que não a classe médica, isto porque em Portugal ainda há o estigma de dizer com orgulho “Sabias que o filho do Tó Zé lá da terra é médico?” e ao mesmo tempo, “coitado, o irmão já não teve tanta sorte é auxiliar de saúde”. De facto, este preconceito poderia ser fácil de superar se não fosse também acompanhado por um preconceito salarial e de progressão na carreira, bem como de oportunidades. Enquanto futura bioquímica, curso que a maioria do país apenas descobriu que existia em 2020 graças ao mítico teste por PCR e incríveis vacinas de mRNA, preocupa-me o futuro (ou falta dele) que poderei ter em permanecer no país que me viu crescer.

Todos sabemos que a vida de um cientista em Portugal é tudo menos fácil e arrisco mesmo a dizer promissora. Quantos de nós já não ouviram a típica frase: “Bioquímica, mas isso tem emprego?”. Embora nós queiramos muito responder: “Sim, claro que tem”, sejamos realistas, terá mesmo um bioquímico o reconhecimento merecido? Ou será que não somos colocados na franja de empregos em que ouvimos “Só há lugar para os melhores, tenta lá fora”. A mim, aflige-me esta incerteza do amanhã, a incerteza de seguir (ou não) um mestrado orientado para a investigação, porque sejamos sinceros, todos sabemos a vida complicada que os investigadores têm em Portugal. A incerteza da existência ou não de uma bolsa, os contratos anuais ou de três anos a que podemos ficar sujeitos. A constante instabilidade. A falta de colocação. A exigência de um curso com várias saídas profissionais, mas sem qualquer valorização nas escolas. Nunca eu tive um professor que me dissesse que existia bioquímica, a questão costumava mais ser “medicina, farmácia, engenharia?”. Claro que agora atravessamos a febre das vacinas de mRNA, mas mais uma vez, os portugueses e os seus dirigentes, que têm memória muito curta, vão esquecer que nós, os cientistas, existimos. Aliás, muito se tem agradecido aos profissionais de saúde pela luta na pandemia, fico apenas triste de ainda não ter visto um dos principais canais de comunicação fazer uma reportagem sobre o burnout que os cientistas que criaram as vacinas em tempo recorde, os técnicos que todos os dias fazem milhares de testes PCR, os investigadores que em março de 2020, sem saberem qual o risco de transmissibilidade, os sintomas exatos, e demais pormenores arregaçaram mangas e começaram os estudos sobre o Sars-CoV-2 para ajudar a Humanidade. Talvez um agradecimento, umas salvas de palmas à varanda também soubessem bem, apesar de palmas não pagarem renda, mas os cientistas portugueses, que lutam por bolsas, também já não caem em devaneios de pensar em receber mais dinheiro por fazer o seu trabalho.

Portugal é um bom país, mas que deveria começar a investir mais na investigação. Portugal forma bons investigadores, mas parece que prefere vê-los de malas no aeroporto apenas com bilhete de ida. Portugal é um bom país, mas que realmente não planeia o futuro. Como será quando os cientistas que por cá ficam envelhecerem? Ou quando os cientistas jovens que cá estão se cansarem de lutar contra a corrente e forem para outros países europeus onde são realmente valorizados?

Muitas são as vezes que leio manchetes com títulos “Portugal líder na investigação de…” ou “Investigação portuguesa premiada…”, mas até quando, Portugal, até quando vais ler apenas as letras gordas e não vais investir nos jovens que aqui se formam e aqui querem ficar? Planear é uma arte, complicada, que requer esforço e visão, mas se nunca for alcançada nunca mais vamos deixar de ser um país sem oportunidades.

Ana Raquel Nossa

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