À Conversa com a Professora Dra. Irina Moreira

A Professora Doutora Irina Moreira licenciou-se em Bioquímica em 2003 e doutorou-se em Química em 2008 na Universidade do Porto. Concluiu um pós-doutoramento na área de Biofísica em Nova York. Em 2015 iniciou seu próprio grupo de investigação no CNC. Atualmente é professora auxiliar na UC. É também coordenadora do (novo) mestrado em Biologia Computacional do DCV.

MJ – Recuando até ao início: como surgiu o interesse pela ciência? E pelas ciências computacionais?

Sou uma pessoa metódica, organizada e assertiva e, também por isso, o meu interesse pela ciência. A ideia da constante evolução pessoal e da procura de saber mais e melhor foi sempre o meu foco e a minha ambição. Desde muito cedo que o funcionamento da vida me fascina e sempre vivi interessada em entender melhor o universo. Penso que a minha primeira paixão foi a astrobiologia, a procura de vida para além da Terra. As ciências computacionais surgiram ainda durante o curso de Bioquímica e foi uma consequência do meu desejo permanente de saber mais e melhor, encontrar respostas que não se obtêm nem a olho nu, nem em laboratório.

MJ – Qual o caráter translacional da sua investigação? Ou seja, como é que a sociedade pode ver as aplicações do seu trabalho?

A Biologia Computacional é uma área translacional, porque integra conhecimento detalhado de entidades moleculares (e.g.: DNA, RNA, proteínas, pequenas moléculas e lípidos) com informações variadas de aplicação na indústria farmacêutica, nomeadamente no desenvolvimento de novos fármacos e/ou na caracterização de novos alvos moleculares.

MJ – Na sua biografia (no site Moreira Lab) afirma que o seu objetivo é tornar-se líder na sua área de investigação, nomeadamente na interface entre as ciências computacionais e a biologia estrutural. Conseguia “desconstruir” esta interface para o público menos informado?

Atualmente, no meu grupo, temos investigadores e alunos com formação e interesses distintos. Desde o desenvolvimento de algoritmos variados utilizando ferramentas de Inteligência Artificial (IA) como a análise estrutural e funcional de complexos proteína-proteína, nomeadamente envolvendo sistemas membranares. Assim, através desta abordagem multidisciplinar, que envolve elementos de ambas as áreas, conseguimos responder com maior eficácia e rapidez às perguntas que os ensaios biológicos não encontram resposta.

MJ – Qual considera que tenha sido o ponto de viragem para as ciências computacionais?

O ponto de viragem foi o projeto de sequenciação do genoma humano

pois iniciou uma era de criação massiva de dados na Biologia para o qual foi necessário educar toda uma geração de investigadores nas várias metodologias a ser empregues na análise de big-data. Assim, as ciências computacionais têm vindo a ganhar dimensão à medida que aumenta a necessidade de respostas rápidas, nomeadamente de carácter preditivo, bem como da caracterização mais atómica dos vários sistemas moleculares.

MJ – Acha que a pandemia fez aumentar o interesse da população pelas ciências computacionais?

A pandemia acelerou a procura destas áreas que conseguem produzir ciência “à distância”. Os sucessivos confinamentos e a limitação de acesso aos laboratórios levaram a que as ciências computacionais se tornassem mais apelativas aos alunos e aos professores/investigadores. Uma das consequências desta pandemia foi a transformação digital das próprias universidades.

MJ – Qual foi o impacto da pandemia no seu trabalho? Foi um impacto positivo ou negativo?

No meu trabalho, a pandemia teve o impacto semelhante ao que ocorreu em todas as famílias com filhos menores em idade escolar, ou seja, a produtividade foi afetada pelo acréscimo de outras diferentes tarefas a desempenhar ao longo do dia. No entanto, a facilidade de continuarmos a conseguir trabalhar a 100% à distância, com o acesso ao cluster de alto desempenho (HPC) e utilizando plataformas de comunicação online, possibilitou aos alunos e investigadores do grupo o regular intercâmbio de ideias e materiais, interajuda e colaboração e, como tal, a nossa produção científica não sofreu grande impacto.

MJ – Ainda dentro da investigação, acha que por vezes a pressa que se tem em obter resultados e reconhecimento tem prejudicado a ciência?

Como em todas as profissões, a pressa será sempre inimiga da perfeição. Portanto, sim, a mentalidade de publish-or-perish, a necessidade do reconhecimento e de ser o primeiro a encontrar respostas levam por vezes à escolha de caminhos errados na investigação e à promoção e proliferação de investigações pouco criativas e de reduzida qualidade.

MJ – Em que projeto gostou mais de trabalhar e porquê?

Um dos projetos que gostei de trabalhar foi o “Deep learning in cancer drug discovery: a pipeline for the generation of new therapies (CRADLE)”, pois permitiu-me criar as condições para uma consolidação de conhecimentos e técnicas de IA por membros do grupo. Este projeto tem possibilitado a criação de novos modelos computacionais que vão desde as novas metodologias de Text-Mining, a algoritmos capazes de prever a existência ou não de sinergia de fármacos anticancerígenos. É fundamental sentir que a investigação não é estanque e que há uma constante evolução.

 MJ – O que a motivou a fundar/desenvolver um mestrado em Biologia Computacional na UC? Porque acha que esta área estava em falta? Quais foram as dificuldades que encontrou ao envolver 5 departamentos da FCTUC num só mestrado?

O desenvolvimento deste mestrado está em consonância com a minha visão multidisciplinar e agregadora das ciências computacionais. Um dos meus objetivos é levar os alunos a pensar mais além utilizando novas ferramentas. Este mestrado permite uma melhor preparação para enfrentar os novos desafios da ciência nas próximas décadas, a necessidade de conhecer e empregar técnicas de tratamento de big-data e de IA, conhecimento que está em fase exponencial de procura na indústria farmacêutica. Sem dúvida que é um desafio o envolvimento de diferentes departamentos, mas no meu caso faz parte do dia-a-dia pois lidero um grupo também ele multidisciplinar.  No entanto, o facto do MBC envolver maioritariamente professores recém-contratados pela UC, todos envolvidos na Summer School in Computational Biology, a decorrer com sucesso há já uns anos na UC, facilitou todo esse processo. Acrescento ainda que acredito que não se faz o caminho isoladamente, sendo muito enriquecedor aglutinar o que de melhor em cada área contribui para um objetivo comum: formar alunos motivados, curiosos e empreendedores.

MJ – Quais são as suas perspetivas futuras para a sua área de investigação? E para si e para o seu grupo?

A indústria farmacêutica e o desenvolvimento de novos medicamentos implicam decisões mais bem informadas no início do processo, o que significa uma identificação mais robusta e rápida dos candidatos a fármaco, mais direcionados para os ensaios pré-clínicos e clínicos. Tal permitirá reduzir o risco de falha dispendiosa em estágio final, melhorar a segurança dos ensaios clínicos e aumentar as hipóteses de entrada no mercado de sucesso. Iremos aproveitar o boom e a disponibilidade de dados, software/hardware mais fiável para produzir algoritmos e métodos capazes de prever e caracterizar novos alvos moleculares. Assim, pessoalmente, irei continuar a dar o meu contributo para a sociedade, enquanto cientista e docente, sempre com o objetivo de encontrar respostas e soluções rápidas aos problemas e proporcionar formação aos alunos para que sejam capazes de aceitar os constantes desafios do mundo em que vivemos.

MJ – Tem algum conselho para dar ao principal público da mRNA – os estudantes de Bioquímica?

Um conselho será que percebam a importância das competências digitais e que embarquem rapidamente na era digital. A mensagem final é que sejam curiosos. A curiosidade permite criar, crescer e aprender! E isso, em qualquer área científica, é fundamental.

Maria João Silva

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