Teremos que parar de vacinar a população?

Vivemos num mundo onde, curiosamente, o rápido acesso à informação parece estar a complicar a comunicação da ciência, bem como a sua credibilidade e interpretação. Neste artigo vamos tentar entender algumas das razões.

Procurando ser objetivos, a maioria dos leitores ao ler o título deste texto formularam imediatamente uma ideia sobre o que iria ser o tema central deste artigo. Igualmente, tantos outros, se deparados com este título numa rede social, criariam desde logo uma opinião vincada sobre o texto sem, na maioria das vezes, chegarem a ler o conteúdo para encontrar os argumentos e a lógica que justificariam a opinião do autor. Este tipo de precipitação é extremamente nocivo, ainda que, em parte, compreensível.

A escassez de tempo inerente ao estilo de vida presente, leva a que a leitura integral das notícias venha a ser substituída por ‘shots’ baseados num título mais um pequeno resumo. Este fato, quando acoplado à tendência para a escrita de títulos sensacionalistas, que recorrentemente dão uma ideia completamente errada do tema da notícia, levam à criação de ‘fatos’ errados na mente daqueles que as lêem.

Não devemos cair no erro de menosprezar os primeiros contactos do público alvo com informação menos credível. Certos vieses cognitivos já extensamente estudados como o chamado “efeito de influência continuado”[1] tornam evidente a necessidade da existência de um revisor científico nos órgãos de comunicação social.

Neste ponto do texto, o leitor poder-se-á perguntar onde está a parte relacionada com as vacinas… existe, mas não como tinha percecionado! Admito, é um truque do autor. O título deveria servir essencialmente de sumário para o texto subjacente, mas este é um ‘erro’ que é (ab)usado frequentemente pela comunicação social, quer para aumentar as vendas ou devida a agendas pré-estabelecidas. O famoso click-bait, como é chamado, aproveita-se do subconsciente do leitor, levando-o à ‘necessidade’ de ler o artigo. A questão que se põe é: estará isto certo do ponto de vista ético, quando o escritor deveria ser objetivo e isento? Eu diria que não, mas de fato isto mostra a eficácia da estratégia.

Estes problemas parecem estar a afetar a eficiente transmissão de informação nos nossos dias, mas seria egocêntrico e incorreto da nossa parte atribuir todo o problema ao leitor e/ou ao meio de divulgação.

Quando nos focamos na ciência, o alvo de crítica costuma ser o investigador e a sua incapacidade em comunicar eficazmente. É um fato que a comunidade científica tem problemas no modo como comunica para o público geral, e os esforços recentes mostram a aceitação disso mesmo, bem como uma marcada vontade de mudar, com o surgimento de cursos de comunicação de ciência e a sua inclusão em diversos planos curriculares.

Mas os problemas não se resumem apenas à capacidade de comunicar. Na verdade, a meu ver, o maior entrave reside numa das características que nos deveria definir: a objetividade, ou, neste caso, a sua falta. A credibilidade naquilo que produzimos é fulcral para a nossa imagem pública e aceitação, mas os ocasionais ‘escândalos’ de criação ou alteração de resultados mancham toda a comunidade a longo prazo. Esta falta de credibilidade leva a que evidências e dados concretos sejam ignorados pelo público e as opiniões de especialistas da área não sejam acolhidas com a devida atenção. Para além disso, a falha num princípio tão básico daquilo que fazemos cria oportunidade para a criação de muitas minorias que, baseando-se apenas num ‘investigador’ ou, simplesmente num artigo (possivelmente retraído) defendem vivamente as suas opiniões, por muita evidência substancial que exista em contrário.

É então, na minha opinião, necessário manter o foco e suplementar a nossa mudança/melhoramento, como comunidade científica, com um plano de vacinação da população (afinal sempre há o tema “vacinas” neste texto) para a proteger de informação deturpada e a preparar para melhor receber informação fidedigna, se possível estimulando a reflexão crítica sobre a informação que recebem.

Assim, tendo em consideração o panorama atual, as necessidades são claras: temos que manter o enfoque, na melhoria da forma e do conteúdo da comunicação científica, na promoção da reflexão crítica (individual e coletiva), na melhoria da nossa credibilidade científica e acima de tudo, numa altura em que o cidadão comum demonstra um interesse crescente pelas áreas da ciência e tecnologia, devemos aproveitar este entusiasmo para fazer chegar da melhor forma estado da nossa arte.

[1] Tendência para acreditar em informação errada, e a sua capacidade para afetar inferências, mesmo depois de a mesma ter sido corrigida

 

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